o som da alma

1) O som é a presença integral e manifesta do sagrado.
2) Torne-se quem você nasceu para ser, torne-se músico.
3) A música abre o céu (Baudelaire).
4) Play is pray.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Alle Gaia - Uma Iniciativa de Transição Civilizatória
Alle Gaia é uma iniciativa de transição civilizatória
que assume como vocação derradeira estar no mundo
oferecendo a oportunidade do desenvolvimento do
potencial divino na humanidade - “espaço infinito do possível”- em
toda a sua plenitude. Minha presença no mundo
se realiza portanto como um
agente autônomo, autodidata, itinerante e articulado de uma
transição civilizatória.
O que quero dizer com transição civilizatória (e
quero dizer muitas coisas com esta expressão, como se
perceberá ao longo do texto) é a realização de uma
outra presença humana no planeta e no cosmos.
Esta iniciativa que proponho ostenta a pretensão de
realizar no cotidiano (como medida da plenitude) uma
transição civilizatória (prioritariamente no âmbito
pessoal) suportada por valores de referência (e não
reverência), como:
a criatividade (‘diz Ghiselin que a medida da
criatividade de um produto “está na extensão em que
ele reestrutura nosso universo de compreensão”’);
a espontaneidade (“manifestação elementar da liberdade
humana” - H. Arendt; “Ser espontâneo apenas significa
ser coerente consigo mesmo. (...) Ser espontâneo é, no
sentido amplo que a palavra tem, poder ser livre. Se,
pois, até aqui formulamos que a espontaneidade
corresponde `a possível coerência na pessoa, queremos
agora estender a idéia da espontaneidade como
abrangendo uma forma de autonomia interior e um grau
mais alto de liberdade de ação ante possibilidades de
viver e criar” - Fayga Ostrower);
a autonomia (“Uma sociedade autônoma é aquela cujas
instituições, uma vez interiorizadas pelos indivíduos,
facilitam o mais possível seu acesso `a sua autonomia
individual e sua participação efetiva em todo poder
explícito existente na sociedade” - Cornelius
Castoriadis);
a intuição (“percepação via incosnciente” - Jung); a
polivalência (“campo magnético de possibilidades
relacionais de funções”); o ecumenismo; a
pós-disciplinaridade; a complexidade
(etimologicamente, tecer em conjunto); a diversidade
da vida (que nesta acepção aqui pretendida inclui os
diferentes modos de estar no mundo, e de ser); o
holismo; a introspecção (contra porém a “introspecção
autodebilitante”) e a itinerância, entre tantos outros
valores possíveis e/ou necessários.
O pensamento de Milton Santos traz um argumento que
justifica nossa opção pela prioridade ao âmbito
pessoal :”O processo de tomada de consciência - já o
vimos - não é homogêneo, nem segundo os lugares, nem
segundo as classes sociais ou situações profissionais,
nem quanto aos indivíduos. A velocidade com que cada
pessoa se apropria da verdade contida na história é
diferente, tanto quanto a profundidade e coerência
dessa apropriação. A descoberta individual é, já, um
considerável passo `a frente, ainda que possa parecer
ao seu portador um caminho penoso, `a medida das
resistências circundantes a esse novo modo de pensar.
O passo seguinte é a obtenção de uma visão sistêmica,
isto é, a possibilidade de enxergar as situações e as
causas atuantes como conjuntas e de localizá-los como
um todo, mostrando sua interdependência. A partir daí
a discussão silenciosa consigo mesmo e o debate mais
ou menos público com os demais ganham uma nova clareza
e densidade, permitindo enxergar as relações de causa
e efeito como uma corrente contínua, em que cada
situação se inclui numa rede dinâmica, estruturada, `a
escala do mundo e `a escala dos lugares.
É a partir dessa visão sistêmica que se encontram,
interpenetram e completam as noções de mundo e de
lugar, permitindo entender como cada lugar, mas também
cada coisa, cada pessoa, cada relação dependem do
mundo.
Tais raciocínios autorizam uma visão crítica da
história na qual vivemos, o que inclui uma apreciação
filosófica de nossa própria situação frente `a
comunidade, `a nação, ao planeta, juntamente com uma
nova apreciação de nosso próprio papel como pessoa. É
desse modo que, até mesmo a partir da noção do que é
ser um consumidor, poderemos alcançar a idéia de homem
integral e de cidadão. Essa revalorização radical do
indivíduo contribuirá para a renovação qualitativa da
espécie humana, servindo de alicerce a uma nova
civilização”.
Transição civilizatória priorizando a dimensão
pessoal tem a ver com o pensamento de Guattari, e não
se confunde com mera tomada de poder : “Não acredito
em transformação revolucionária, seja qual for o
regime, se não houver também uma revolução cultural,
uma espécie de mutação entre as pessoas, sem o que
caímos na reprodução da sociedade anterior. É o
conjunto das possibilidades de práticas específicas de
mudança de modo de vida, com seu potencial criador,
que constitui o que chamo de revolução molecular,
condição a meu ver para qualquer transformação social.
E isso não tem nada de utópico, nem de idealista”.
Transição civilizatória tem a ver com o pensamento
do teólogo Leonardo Boff, quando afirmamos juntos,
entre outras coisas, que os fins não justificam os
meios : “O processo de libertação implica ruptura com
situações que barravam o desenvolvimento ou o
permitiam somente dentro de determinado arranjo
social, reprimindo tentativas criadoras de
questionamentos e superações. A libertação, se não
quiser repetir a estrutura da repressão, não poderá
imitá-la no modelo e na tática, mas visar uma
integração das diferenças, respeitando-as sem
homogeneizá-las. Desta forma a conquista paulatina
duma liberdade criadora, mantida sempre como um
processo a ser continuamente feito, e não como uma
meta alcançada, não permitirá que estruturações
sociais e históricas assumam caráter absoluto e
definitivo, mas implicará numa revolução permanente”.
Transição civilizatória tem a ver com a chamada
Nova Era, que significa um movimento holístico de
renovação de valores fundamentais da nossa sociedade,
através de uma mudança de paradigma. Traduz-se por: um
aspecto ecológico, de respeito `a natureza; um retorno
`a simplicidade da existência; uma seleção criteriosa
e consciente dos verdadeiros aspectos positivos do
progresso técnico em relação a estes valores
holísticos; o desenvolvimento interior; o
desenvolvimento de comunidades que apresentem as
condições favoráveis a esta evolução e estimulem-na; a
não-violência; uma economia, educação e medicina
holísticas; uma política holística etc.
O pensamento complexo está presente quando entendemos o ser humano em suas dimensões
bio-psico-social. Aspas para Edgar Morin, distinto
expoente do pensamento complexo, observando nossas
dimensões cósmica, física, terrestre e humana:
Enquanto pessoas cósmicas - “Encontramo-nos no
gigantesco cosmos em expansão, constituído de bilhões
de galáxias e de bilhões e bilhões de estrelas”;
Enquanto pessoas físicas - “Uma porção de
substância física organizou-se de maneira
termodinâmica sobre a Terra; Por meio de imersão
marinha, de banhos químicos, de descargas elétricas,
adquiriu vida”;
Enquanto pessoas terrestres - “Como seres vivos
deste planeta, dependemos vitalmente da biosfera
terrestre”;
Enquanto pessoas humanas - “Somos originários do
cosmos, da natureza, da vida, mas, devido `a própria
humanidade, `a nossa cultura, `a nossa mente, `a nossa
consciência, tornamo-nos estranhos a este cosmos, que
nos parece secretamente íntimo. Nosso pensamento e
nossa consciência fazem-nos conhecer o mundo físico e
distanciam-nos dele. O próprio fato de considerar
racional e cientificamente o universo separa-nos dele.
Desenvolvemo-nos além do mundo físico e vivo. É neste
‘além’ que tem lugar a plenitude da humanidade”.
Não somos seres unidimensionais.
Há muitas outras dimensões humanas conhecidas e
vivenciadas (ao longo deste texto é possível que
compareçam)
pelas tradições espirituais ocidentais e orientais,
pela psicologia transpessoal (resumido portanto
incompleto: ”A psicologia transpessoal se preocupa em
estender o campo da investigação psicológica, a fim de
incluir o estudo do estado ótimo da saúde psíquica e
do bem-estar. Reconhece a potencialidade de fazer a
experiência de um grande número de estados de
consciência, alguns dos quais podendo conduzir a uma
extensão da identidade para além dos limites habituais
do ego e da personalidade” - Waslsh e Vaughan), etc.
A escolha do termo Alle Gaia para nominar nossa
iniciativa de transição civilizatória não é gratuita.
Um texto de poeta raramente comporta termos gratuitos.
Alle Gaia está vinculado ao termo grego oikos, que
influenciou o latim eco, radical das palavras
ecologia, economia e ecumenismo, significando casa,
ambiente, etc. Articula-se com o termo iorubá Ilê, com
significado equivalente, significando nossa casa mas
também nosso bairro, nossa comunidade, o entorno, o
ambiente em que vivemos, nossa região, nosso planeta,
a biosfera (campo vital composto pelo conjunto dos
seres vivos ao redor da esfera terrestre) e assim por
diante. Esta observação já foi feita por Leonardo Boff
e também por Guattari, alertando para a necessária e
inadiável articluação dessas várias dimensões, quando
diz: “E, no entanto, é exatamente na articulação: da
subjetividade em estado nascente, do socius em estado
mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser
reinventado, que estará em jogo a saída das crises
maiores de nossa época”. (grifo meu)
Esta concepção advinda dos termos oikos e ilê
fundamenta minha opção por uma vida profissional itinerante,
nômade.Trata-se da ampliação do território da clínica,
e inclusive por isso, mas não só por isso, clinicar e
educar significa também articular, realizar parcerias,
atravessar fronteiras (quem as ergueu?), fazer
política enfim.
Trata-se também de realizar a transição do paradigma
disciplinar para outros paradigmas não -
disciplinares, tal como o paradigma da complexidade
(Edgar Morin), o paradigma da física subatômica tal
como operada por Fritjof Capra e seus interlocutores,
o paradigma da psicanálise Novamente entre outros.
Um viés epistemológico assumido não exclusivamente
para operar a transição do paradigma disciplinar para
outros paradigmas não - disciplinares são os Estudos
Culturais (Cultural Studies), caracterizados por sua
diversidade metodológica, por seu compromisso em
interagir diretamente com as práticas políticas,
sociais e culturais em que estão inseridos e também
por recusarem a estúpida pretensão do monopólio
disciplinar sobre o conhecimento.
Outro viés epistemológico assumido não
exclusivamente para realizar transições
paradigmáticas é a bioética, que pelas palavras de
Fátima Oliveira, além de ser uma disciplina em
crescente institucionalização, além de ser um campo
epistemológico e não se confundir com a deontologia
e/ou com a ética médica, a bioética em sua conveniente
polissemia também pode significar :
“ A bioética é um campo de luta que aglutina
diferentes movimentos sociais e personalidades
democráticas. Suas origens são de fato os caminhos que
buscam garantir a cidadania em espaços e em momentos
nos quais as pessoas se encontram em geral vulneráveis
: na busca da saúde ou diante da ciência” .
Ainda polissêmica e não exclusivamente optamos
pela etnomatemática, a partir de Ubiratan D’Ambrosio,
professor titular de matemática da Unicamp :
“ Assim, poderíamos dizer que etnomatemática é a
arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender
nos diversos contextos culturais. Nessa concepção, nos
aproximamos de uma teoria do conhecimento ou, como é
modernamente chamada, uma teoria de cognição” .
“ Sintetizando, poderíamos dizer que etnomatemática
é um programa que visa explicar os processos de
geração, organização e transmissão do conhecimento em
diversos sistemas culturais e as forças interativas
que agem nos e entre os três processos. Portanto, o
enfoque é fundamentalmente holístico” .
A etnomatemática nos autoriza a declarar alguns
princípos de transição paradigmática :
A poesia é tão precisa quanto a matemática;
Discernir quando é necessária e/ou imprescindível a
exatidão matemática;
Precisão não significa necessariamente exatidão
matemática :
“A grande maestria dos arquitetos gregos consistia
na habilidade para criar a aparência de simetria
perfeita.Conseguiram-no em parte pela eliminação das
ilusões óticas a que todos os edifícios estão
sujeitos, aplicando uma técnica denominada
êntase.Vistas de uma determinada distância, todas as
linhas retas, verticais ou horizontais parecem
ligeiramente côncavas no meio.Para contrariar este
efeito , os arquitetos gregos faziam as linhas dos
edifícios convexas precisamente nesses pontos. Do
mesmo modo as distâncias entre colunas pareciam
variar, quando de fato eram matematicamente exatas.Os
arquitetos gregos, para corrigir esta ilusão, faziam
variar o espaçamento entre as colunas”.
Escolho epistemológico para designar discursos que
(re)criam saberes. O vocábulo grego “episteme” é
traduzido aqui por saberes (e não ciência) enquanto
“logos” é interpretado como discursos (e não razão ou
estudo).

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